Trabalho dos alunos SMBA |
"O regime caiu. Golpe militar, como se
esperava. Não sei descrever o dia de hoje: as tropas, os carros de combate, a
felicidade, os abraços, as palavras de alegria, o nervosismo, o puro júbilo.
Estou neste momento sozinho: M. foi encontrar-se com alguém do Partido, não sei
onde. Vai acabar a clandestinidade. O meu auto-retrato já está muito adiantado.
Dormíamos em minha casa, M. e eu, quando o Chico, noctívago, telefonou, aos
gritos, que ouvíssemos a rádio. Levantámo-nos de um salto (estás a chorar, meu
amor?): «Aqui Posto de Comando das Forças Armadas. As Forças Armadas
portuguesas apelam para todos os habitantes da cidade de Lisboa...»
abraçámo-nos (meu amor, estás a chorar), e embrulhados no mesmo lençol, abrimos
a janela: a cidade, oh cidade, ainda noite por cima das nossas cabeças, mas já
uma claridade difusa ao longe. Eu disse: «Amanhã vamos buscar o António.» M.
apertou-se muito contra mim. «E um dia destes dar-te-ei uns papeis que aí
tenho. Para leres.» «Segredos?», perguntou ela, sorrindo. «Não, papeis. Coisas
escritas.»"
José Saramago. Manual de Pintura e Caligrafia. Lisboa:
Editorial Caminho, 1
983. p.311
Sem comentários:
Enviar um comentário