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sexta-feira, 8 de abril de 2022

"Terra" e "Cantar d'Amigo" de Fernando Namora

Cantar d’Amigo

Estrangeiro!

talharam-nos em redor fossos, limites

e o cerco das fronteiras.

Estrangeiro! Ninguém entendeu, e nem tu, estrangeiro,

que entre nós não existem cordilheiras.

 

Ficaste de mãos desastradas, indiferentes,

quando a minha vida roçou a tua vida.

De olhos parados, indiferentes,

quando passei a teu lado.

 

Estrangeiro! Ficou-me esse desperdício de um adeus

que as tuas mãos frias não disseram,

nem os teus olhos vidrados,

nem a tua boca selada,

mas que eu pressenti, como alguém á beira de um cais,

ao ver sair barcos com gente que nos é estranha,

agitando lenços estranhos

alguém que sofre por nada.

Iludimos a vida, amigo!

E como para ultrapassar as fronteiras

os fossos,

as ironias

bastaria um só olhar!...

Não, estrangeiro! Vamos misturar o sangue dos rios

o abismo dos mapas

fazer qualquer coisa! misturar, misturar.


Terra

 

Onde ficava o mundo?

Só pinhais, matos, charnecas e milho

para a fome dos olhos.

Para lá da serra, o azul de outra serra e outra serra ainda.

E o mar? E a cidade? E os Rios?

Caminhos de pedra, sulcados, curtos e estreitos,

onde chiam carros de bois e há poças de chuva.

Onde ficava o mundo?

Nem a alma sabia julgar.

Mas vieram engenheiros e máquinas estranhas.

Em cada dia o povo abraçava outro povo.

E hoje a terra é livre e fácil como o céu das aves:

a estrada branca e menina é uma serpente ondulada

e dela nasce a sede da fuga como as águas dum rio.

 

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