“Não tenho sentimento nenhum político
ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha
pátria é a língua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem
Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente. Mas odeio, com ódio
verdadeiro, com o único ódio que sinto, não quem escreve mal português, não
quem não sabe sintaxe, não quem escreve em ortografia simplificada, mas a
página mal escrita, como pessoa própria, a sintaxe errada, como gente em que se
bata, a ortografia sem ípsilon, como o escarro directo que me enoja
independentemente de quem o cuspisse.
Sim, porque a ortografia também é gente. A palavra é
completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-ma do
seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha.”
“Livro do Desassossego”, por Bernardo Soares. Vol. I,
Fernando Pessoa
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